O mais recente post de André Abrantes Amaral, no Insurgente, é extremamente
interessante porque traz de novo à colação um assunto que, quer pela sua
seriedade, quer pela sua importância, deveria merecer da nossa parte a nossa
melhor atenção. Falo do modelo económico identificável em Portugal. Como disse
Nixon, três anos depois da massa monetária em circulação deixar de estar
lastreada num metal precioso e poder ser a todo o tempo convertida, e
naturalmente trocada, por uma determinada quantidade de ouro – o chamado
padrão-ouro -; «somos todos Keyneseanos». Todos não, diria eu, porque
só são os que podem.
Vamos por partes. A Monarquia
Constitucional herdada das revolução liberal que abanou o País já fortemente
deprimido pela fuga - ou manutenção do governo no exílio, como preferirem -
da Família Real, e ulterior vazio de poder, pelas guerras napoleónicas e
pela longa e penosa regência Inglesa, permitiu que fossem criados alguns
conglomerados comerciais/industriais frequentemente ligados à aristocracia, ou
por ela protegidos, ou que fossem beneficiadas certas famílias que haveriam de
construir impérios herdados pelas sucessivas gerações das mesmas, algumas das
quais perduram com grande influência nos sectores do poder até aos dias de hoje.
Até aí nada contra, acontece em todo o lado, e faz parte do processo normal sempre
que uma economia inicia um processo de industrialização que, no nosso caso, foi
já tardio. O livre mercado e a competição entre produtores pelo «favor» dos
clientes haveria, pelo caminho, de eliminar esses privilégios e equilibrar o
nível competitivo. Em teoria, pois a história foi outra, como de resto sabemos. Pelo caminho fomo-nos
ainda deixando enganar por teorias económicas vendidas por estrangeiros que,
desde sempre, conseguiram enfeitar postulados de consistência duvidosa e
enganar um povo que tem um desdém pavoroso pelo que produz e uma paixão alucinante pelo que vem de
fora. A este respeito a teoria da vantagem comparativa de David Ricardo era um
disparate pegado, pois se Portugal era mais eficiente na produção de vinhos e
de tecidos na Inglaterra, porque não produzíamos tecidos e vinhos? A concórdia
deve existir entre empresas de países diferentes cujos Estados controlam o que
se pode e não se pode produzir e em que quantidades? Entre empresas que
deveriam competir? E nós assinámos aquilo? O livre mercado só se deveria
aplicar quando dava jeito à Inglaterra? A Inglaterra, à conta de vender banha
da cobra a estrangeiros que adoravam a aura que reluzia naqueles distintos e
impecavelmente engomados gentleman's ingleses, conseguiu criar o maior
império da história. E dar mais uma facada no nosso, embora aí a culpa tenha
quase sempre sido nossa. Adiante.
Da I República nem se pode dizer muito.
Quis ir tão longe e tão depressa em tão pouco tempo que acabou por não ir a
lado nenhum. A imprudência e fraqueza dos seus governos, quando aliada à falta
de experiência governativa e à dificuldade de se ver reconhecida na cena
internacional, obrigou-a a um esforço financeiro gigantesco para conseguir
enviar para os campos de batalha da Flandres o Corpo Expedicionário Português,
naquilo que ficaria conhecido como o «Milagre de Tancos». Mal o menos: mantivemos
o Império Colonial, embora ache que a manutenção dele nos terá impedido de
darmos o salto que deveríamos ter dado na produção de bens e de serviços de valor
acrescentado, mantendo um sistema produtivo bastante primitivo com capital fixo
também ele arcaico.
À desgraça da I República, com governos
que duravam quinze dias, seguiu-se outra desgraça: a da II República. Para além
de continuar a ser mantido um modelo produtivo relativamente fechado que girava
em torno do comércio de bens e de serviços negociados entre o Portugal
Metropolitano e as então Províncias Ultramarinas, como já vimos com pouca
intensidade de capital e alta concentração do factor trabalho, facto que
desequilibrava completamente os níveis de eficiência que devem ser procurados
alcançar entre todos os factores de produção; aos Portugueses não foi dada a
oportunidade de se instruírem em massa. Nem a oportunidade de, ombreando com os
melhores num mercado aberto à escolha levada a cabo pelo Darwinismo de
Mercado, fazermos a diferença
e alterarmos o nosso tecido produtivo, não apenas através do investimento
(re)produtivo, necessariamente alocado a capital fixo, mas também circulante,
uma vez que apenas a diversificação das fontes de aquisição de matérias-primas, tida como condição essencial para concretizar essa modificação, só
seria possível se o Império não fosse a prioridade absoluta, o que era dificil de alcançar num
tempo - guerra colonial - em que o País era votado ao isolamento e ao
ostracismo internacionais.
Os principais conglomerados industriais e comerciais da altura beneficiavam
de uma certa teia proteccionista do regime, e o regime contava com eles para
não atacarem o poder instalado. O medo da ameaça comunista era a cola que
juntava uma já de si provável fusão simbiótica entre um regime que precisava de
aliados que o cimentassem e um tecido empresarial pouco habituado a concorrer
no exterior e a quem interessava mais a calmaria ditatorial que a competição pelo
favor dos clientes. Lembremo-nos da proibição do uso de isqueiros com o
argumento de proteger a indústria fosforeira nacional - ainda bem que não se
lembraram de proibir viaturas com motores de explosão a favor dos criadores de
burros de Trás-os-montes ou de cavalos do Ribatejo -. Apenas alguns
privilegiados e alguns próximos dos homens do regime, dentre aquela que pode
ser chamada de aristocracia republicana, tinham aspirações a frequentar a
academia. É verdade que havia uns apadrinhamentos e algumas bolsas de mérito
para estudantes pobres, mas essa era a excepção, num País onde a manutenção de
elevados de iliteracia eram a regra que permitia servir simultaneamente dois
propósitos: a manutenção de um desejo de status
quo no seio conjunto de pessoas
sem massa crítica e capacidade de discernimento liberal e a preservação de um
modelo social baseado no «Deus, Pátria e Família» que nos fez perder o
comboio da globalização. Se juntarmos a isto o facto de os principais
investimentos serem feitos no Ultramar e não na Metrópole e de gastarmos 25 %
do PIB em funções de Defesa, então podemos ter uma ideia do quadro pintado
naquela altura em que nos devíamos ter preparado para o embate asiático. Mas,
como de costume, não o previmos e não preparámos. Ainda que o tivéssemos
previsto, também não nos teríamos preparado como não nos preparámos com o
choque a leste depois da queda do muro de Berlim. É assim a vida. Somo bons no
desenrasque, mas péssimos no planeamento.
A III República começou bem. Pouco depois
da revolução, começa um complicado jogo de esquerdização da vida política que
tem como ponto alto a nacionalização de grande parte do sector produtivo com
consequências gravíssimas cuja conta ainda hoje nos é servida. Para além de
termos perdido a capacidade produtiva efectiva em vários sectores de forma
imediata, anos de greves, de paralisações e gestão de trabalhadores haveriam de
desmontar sectores-chaves nos quais, do dia para a noite, deixámos de ser
competitivos. Para nunca mais o sermos. A indústria de construção naval,
química e metalomecânica são alguns exemplos. Mas, mais do que isso, porque
como a maioria de nós sabe, a economia vive sobretudo de expectativas -
expectativa que a seguir ao investimento o caminho natural é contar com a sua
rentabilização, materializada naturalmente na obtenção de lucros líquidos -, e
quando se dá a ideia ao estrangeiro que todo o investimento aplicado em
Portugal corria o risco de se nacionalizado, das suas fábricas se verem
paralisadas pela intervenção de sectores radicais, de a Administração ter
dificuldade em normalizar a vida política e de a legislação estar muito pouco
preocupada com a segurança jurídica do investimento empregado; então é praticamente impossível atrair o investimento
estrangeiro que necessitávamos tanto para podermos reerguer-nos. Lembremo-nos
que no entretanto 800 000 Portugueses haviam sido repatriados nessa mesma
altura e a situação do País era tão aflitiva que tivemos de pedir assistência
internacional em 1977 e 1983. Mais, a situação a seguir ao 25 de Abril era de
tal maneira crítica que Kissinger, Secretário de Estado de Nixon e Gerald Ford,
dava já Portugal como perdido para os comunistas, esperando que o efeito do coup funcionasse como uma vacina para
as transições de Espanha e da Grécia.
É só depois das negociações levadas a cabo para a entrada na União
Europeia em 1986 e com a revisão constitucional de 1982, que as
privatizações se tornam uma imperiosa necessidade. Como o investimento externo
não fluía - conseguem imaginar porquê, hum?!? -, foi-se ao Brasil tentar vender
aos legítimos proprietários o que lhe havia sido expropriado aquando da
revolução. Falo das famílias Mello, Champalimaud e Espírito Santo, culpados do
crime único de gerarem riqueza e prosperidade. Porque muitos deles não tinham
capital suficiente para comprarem o que era seu, endividaram-se grandemente
para o conseguirem - talvez essa engenharia financeira, quando agregada a
alguns disparates gestionários entretanto cometidos, explique por exemplo o caos
das Holdings da Família Espírito Santo -, formando muitas vezes novos
aglomerados em sectores frequentemente diferentes daqueles nos quais originalmente
tinham estado envolvidos, o que dá prova da sua tenacidade e da sua capacidade
empreendedora. Apesar de tudo, se não se tivessem endividado tanto, talvez
fossem empresas mais solventes e mais capazes de competirem no exterior e de se
internacionalizarem. E este é o ponto-chave. O Estado, provavelmente por um
complexo moral, provavelmente por interesses e ligação entre a política e a
economia -estas por provar, atenção - que não interessam para o caso, foi
sempre muito compreensivo e permissivo com algumas das suas reivindicações, o
que não ajudou o Estado - por razões evidentes - nem as empresas, que perderam
parte do incentivo para se modernizarem e se reestruturarem sempre que as
necessidades do mercado, i.e., dos consumidores, assim o determinassem. Isto
explica ou pode explicar que o retorno do investimento público, que em muitos
casos foi apenas «alavancado»
pela banca, - quer isto dizer que a banca apenas financiou uma pequena parte
desses investimentos - tenha feito recair sobre esta última uma parte
desproporcional dos lucros que, ainda por cima, resultaram frequentemente de
contratos com rendas certas e permanentes onde o risco do investimento estava
todo do lado do Estado, cujo melhor sinónimo que encontro é «sobre os ombros do
contribuinte», e nenhum do lado da banca ou das empresas por si participadas ou
por ela financiadas. As parcerias público-privadas são uma óptima solução em
Países onde os contratos são feitos por duas partes bem informadas, e foram
diabolizadas como sendo um ataque do «capital» contra o pobre e desafortunado
Estado. Não. Aquilo que é desigual é a qualidade dos advogados e juristas
presentes em cada lado da barricada ou, para ser mais preciso, dos incentivos envolvidos na transacção. Não se pode querer os melhores pagar-lhes
como se de regulares de tratassem. E para quem tem dúvidas dos méritos de uma
PPP bem negociada, repito, BEM NEGOCIADA, vejam o caso de Sandy
Springs, em Atlanta, Georgia, EUA. A juntar a isto tudo, e note-se que
creio ter já tentado explicar o porquê deste Capitalismo à Portuguesa viver
invariavelmente à sombra do Estado - que fazem os bancos Portugueses quando se
unem para comprar dívida pública Portuguesa, com risco de incumprimento apesar
de tudo elevado, senão para fazer um favor ao Estado que terá de ser pago,
provavelmente, com PPP's com condições favoráveis? -, criou-se o risco moral, e
já agora compreensível, de todas as empresas se julgarem no direito de recorrerem
ao Estado sempre que a coisa se anuncia poder vir a correr mal. Até as
multinacionais que se cá instalam não vêm sem ir ao Saldanha contratar a melhor
firma de Advogados para assinar com o Estado Português um complexíssimo
contrato de fixação, no qual uma vez mais os incentivos para a boa conclusão do
processo radicam nestes últimos e nunca nos servidores do Estado, contrato esse
no qual os impostos dos Portugueses financiam a competitividade dessas empresas
no estrangeiro, através de uma miríade de isenções fiscais e de benefícios.
Logo que os benefícios desaparecem ou terminam, a empresa arruma as malas e vai
à vida.
Posto isto, este capitalismo à Portuguesa
é de facto muito sui generis.
Mas, uma vez identificado o problema e enunciadas as causas, não vejo razão
para não se caminhar no caminho de os procurar resolver.
Contudo, e depois de visto o que já vimos,
desejo-o mais do que o espero.
Alexandre,
ResponderEliminarO episódio que cita no início - decisão de Nixon em 1971 - é uma resposta a um default. O que se assistiu nesse momento foi uma reestruturação de dívida. Incapazes de cumprir as regras (que eles mesmos impuseram) de trocar dólares por ouro, os americanos fecharam a "janela de ouro". Unilateralmente.
No presente, é interessante verificar que os alemães (que pediram em Janeiro de 2013) o repatriamento de parte do ouro que têm em NIorque (300tn) tenham recebido apenas 5t até Dezembro último. E os americanos - unilateralmente - estabeleceram uma janela de sete anos (!) para proceder a esse repatriamento. Mais um default? Mais uma falência? Como é que se evita? Adia-se a entrega - já feito; A seguir faz-se com que a Alemanha deixe de querer o seu ouro de volta - já feito.
E pronto, assim vai a qualidade do nosso sistema financeiro mundial. Até quando?
Saudações,
LV
Caro LV,
EliminarÉ de facto verdade tudo o que aponta. Qualquer reestruturação unilateral implica riscos, mas não para quem é o peso pesado do sistema monetário internacional, não para aqueles que detêm a moeda por excelência de reserva e de trocas comerciais.
Quando ao caso da Alemanha, também estava ao corrente disso, embora não soubesse que tão pouco ouro tivesse sido repatriado até agora. Depois de injecção de liquidez na economia desde o 11 de Setembro e desde a falência do Lehman Brothers em 2007, a massa monetária cresceu imensamente e só não provocou inflação porque foi e tem sido impedida a sua circulação, ficando nos bancos a servir de almofada e dar a falsa sensação que tudo vai bem no sistema monetário do Tio Sam.
Vamos esperar pelos próximos capítulos desta saga.
Com os mais cordiais cumprimentos
Alexandre Portugal