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quarta-feira, 30 de julho de 2014

A escola pública, os alunos e o futuro de Portugal

A discussão em torno da educação em Portugal é simultaneamente tanto um imperativo imposto pela necessidade quanto parece ser uma impossibilidade teórica, imposta pela análise prática quando considerado o caótico processo de discussão educacional que teve lugar nos últimos anos. Com efeito, o que se conclui - para além de que quando se fala desta temática, nada se consegue concluir - é que se discute cá fora o que deveria ser discutido internamente duvidando-se, e com fortes razões para isso, se a discussão que deveria ser feita cá fora, é ou não levada a cabo lá dentro. A primeira diz respeito ás carreiras e ao processo avaliativo, o segundo aos currículos, ao cheque-ensino - concorrência - e à disciplina na escola, entre outros.

Vamos por partes. O mundo mudou e, como de costume, sectores consideráveis da população Portuguesa, nomeadamente as corporações mais bem instaladas e que mais têm a perder com este processo globalizador, continuam, hoje e sempre, irredutíveis à mudança e ao invasor ideário neo-liberal e ao regime capitalista-exploralista que o serve. Com efeito, é exactamente isso que se passa. Não precisamos de mudar nada no nosso sistema, porque tudo vai bem. O oriente não se industrializou e não se tornou o centro produtor do mundo - em bens e serviços -, o leste europeu, mais alfabetizado e instruído e com custos unitários do factor trabalho mais baixos que o nosso, não se liberalizou, a China e a Índia não aderiram à OMC, os tigres asiáticos são uma lenda polulante que graça lá para os lados do sol nascente à qual não devemos ligar, a América do Sul não tem hoje uma voz activa no mundo, a África não procura, ainda que lentamente, o seu lugar ao sol no concerto das nações e o conjunto das economias emergentes não dilaceraram a estrutura produtiva que existia no País, num mundo com cada vez menos barreiras proteccionistas e no qual a competição sectorial é mais intensa que alguma vez foi. 

Como dificilmente podemos concorrer em mercado aberto com estes players em produtos de baixo valor acrescentado, tê-lo-êmos de fazer em nichos de mercado em que sejamos comparativamente melhores. A melhor forma de o podermos fazer reside na melhor combinação que consigamos encontrar entre as duas variáveis fundamentais da produção que nos interessam aqui discutir: o capital e o trabalho. No que diz respeito ao primeiro factor, os dados não são encorajadores. A formação bruta deste tipo de factor de produção está muito longe de ser o esperado, e é um dos calcanhares de aquiles da nossa economia. Quando se fala que a economia lusa está fortemente descapitalizada, não se fala tanto na falta de capital circulante: é do capital fixo que estamos verdadeiramente necessitados. Como durante o boom do crédito barato nos mercados internacionais nos fomos divertindo a gastá-lo - gastá-lo é diferente de aplicá-lo ou investi-lo, pois este últimos pressupõem reprodutividade - em autoestradas onde ninguém anda, em reestruturações de linhas de caminho-de-ferro que poupam minutos a custo de centenas de milhões de euros, em processos de formação profissional cuja avaliação nunca foi feita - talvez porque o resultado fosse aquele que, empiricamente, todos prevemos que seja: MEDÍOCRE - ou em fantásticos planos corporizados por uma nouvelle instruction chamada «Novas Oportunidades», essa fantástica obra que pretendia eliminar por decreto uma atraso formacional que tinha mais a ver com a Escola Pública da ditadura e da Democracia da III República do que com qualquer outra questão; nunca fizemos o investimento que devíamos ter feito na modernização da nossa estrutura produtiva no que às instalações e equipamento/maquinaria diz, pois os empresários, quase que obrigados pelas circunstâncias criadas pelo poder político e pela legislação por ele aplicada na forma de isenções, estímulos, benefícios fiscais, etc, preferiram aplicar esse dinheiro no imobiliário e em bens e serviços para alimentar o mercado interno em vez de fazer aquilo que um País da nossa dimensão deve fazer agora e sempre, que é exportar. E isto só aconteceu com o dinheiro dessa oferta brutal de crédito que teve lugar no início da década que o Estado não decidiu esbanjar em obras públicas, e aumentos de despesa com a saúde, educação e prestações sociais que, há muito, já não se pagavam com as receitas obtidas a através de contribuições e impostos - gosto da palavra contribuições, diga-se -. Foi aí que começamos a perder o comboio desta última globalização. É por isso que acho curioso esse auto-elogio que alguns fazem agora a propósito desta capacidade que os empresários emprestaram à nossa economia ao deslocarem a produção do mercado interno para o exterior. É tudo uma questão de estímulos. Se ao menos o Estado tivesse percebido o que a Alemanha já percebeu desde a sua unificação em 1870, a China desde 1979 com Deng Xiaoping e os Estados Unidos não tardarão a perceber, por maior que seja o mercado interno, o equilíbrio da balança comercial é fundamental num mundo liberalizado e desprovido de barreiras alfândegárias. E o nosso mercado interno não tem comparação com aqueles que acabo de referir, o que só piora o problema. Ora se não temos possibilidade de solicitar somas avultadas de dinheiro na forma de empréstimos porque ninguém nos empresta, como é quase impossível aumentar a carga fiscal porque a mesma atingiu já números exorbitantes, e como não geramos poupanças que nos permitam usá-las para, agora sim, as aplicar-mos em bens e serviços transacionáveis capazes de ombrearem com o melhor que no mundo se produza –ao invés do que se faz no passado recente -, resta-nos apenas a moleta do investimento externo para podermos fazer a revolução tecnológica que urgentemente necessitamos. Como a nossa estabilidade governativa, a nossa política fiscal, a nossa burocracia e o nosso quadro legislativo são tudo menos estáveis e previsíveis; não se augura grande futuro a este País se um grande consenso político e social não se vir entretanto gerado.

Mas onde perdemos definitivamente o comboio foi quando não percebemos o que fazer com a educação desse bem cada vez mais escasso e precioso que são os nosso jovens, onde me incluo, eles que representam a mão-de-obra, o factor trabalho, o capital humano de amanhã, que vai competir com os jovens da Coreia do Sul, do Japão, de Singapura, da Indonésia, do Brasil, da Colômbia, da Alemanha, da Polónia e do Canadá. É essa a diferença entre a geração que hoje tem trinta ou quarenta anos, e aquelas que aí vêm, com a dos seus pais ou avós: já não vais haver espaço para equívocos, para disparates como a protecção legal dada aos fósforos como forma de proteger essa indústria descapitalizada e ineficiente contra a modernidade representada pelos isqueiros. Não é esquecendo a ameaça, ou utilizando expedientes dilatórios para a rechaçar, apresentada pela concorrência num mundo globalizado que resolvemos os nossos problemas: é enfrentando-os em campo aberto. Naturalmente não em tudo, mas sim naquilo que podemos e realmente somos melhores a fazer. A indústria do calçado, depois de ter passado por momentos difíceis, não se salvou por decreto governamental ou por uma lei da Assembleia da República: prosperou por que se reinventou, porque percebeu o problema que residia nas consequências entretanto analisadas e porque lhe atacou as causas. Esta indústria entreluziu rapidamente que nos produtos de baixo valor acrescentado dificilmente seria competitiva: os concorrentes asiáticos haveriam sempre de produzir o mesmo, e mais barato. Havia de utilizar o know-how de décadas para produzir esses bens com maior valor acrescentado, e ousou-se, com sucesso, jogar na mesma liga da Itália. Fascinante!. Com um Markting agressivo e com novos modelos de gestão, o novo produto era muito mais apetecível. E mais caro. Cada hora de trabalho gerava um valor muito superior ao gerado no pretérito. Oxalá o seu exemplo faça escola.

E a nossa Escola, essa formadora de capital humano que, antes de mais, forma pessoas, forma cidadãos? Quem julga que ouvirá neste blog críticas pessoas a políticos e/ou a movimentos associativos ou sindicalistas, perde o seu tempo. Neste blog discutem-se ideias, não pessoas. Nessa linha, não quero nem vou referir-me ao conflito entretanto reaberto pela enésima vez entre sindicatos e a tutela, a propósito da prova de aptidões e competências que, apesar de tudo, serviu de mote para esta reflexão. Não tenho capacidade, e em bom rigor também me falta a vontade, de discutir se a prova deve ou não ser feita, nos moldes, com o teor e nas circunstâncias em que esta foi feita, embora me pareça evidente que a entidade patronal, quando antevê que vá ter um grande número de candidatos para um número reduzido de vagas, deva ter o direito de impor previa e publicamente as condições em que essa escolha vá ter lugar. E não me parece que a tentativa de alguns colegas boicotarem a prova e limitarem a possibilidade de, em liberdade, colegas seus poderem escolher fazê-la ou não, contribua para uma imagem que deveria ser de rigor e de disciplina, para dar o exemplo, e não de amotinação e desobediência. É certo que foi um ínfima parte da classe, e esse aspecto tem de ser aqui reforçado, mas uma classe determinante para o futuro do País que se quer ver respeitada e estimada pela comunidade e pelos alunos, não se pode expor desta maneira sem esperar ser atingida pelos estilhaços da deflagração, da detonação que esses actos provicam. O Ministério não sai ileso de críticas neste processo, mas a história não foi diferente com os últimos Ministros ou com os últimos governos apoiados por maiorias parlamentares diferentes da actual, o que se levanta a interrogação seguinte: serão as diferentes tutelas, portadoras elas mesmas de diferentes sensibilidades e advindas de diferentes sectores da sociedade, as únicas culpadas dos processos contenciosos frequentemente abertos e reabertos no passado próximo? Fica a questão.

Sejamos francos. Contra uma explosão no número de formados no ensino superior para ingressarem no ensino, opõe-se uma diminuição brutal do número de alunos, tendência que vem já do final da década de 70 e que se tem vindo a agravar nos últimos anos. A fórmula composta pelas variáveis «mais professores» e «menos alunos» parece indicar-nos o óbvio: há cada vez menos trabalho para um número crescente de professores, e este é um facto indesmentível, porque factual.

Deixando de lado a questões corporativas e focando o objecto deste artigo, o principal problema reside, quanto a mim, na necessidade imperiosa de mudar o paradigma em que operamos para nos tornarmos mais competitivos. Se não o fizermos a bem, agora, vamos ser provavelmente forçados a fazê-lo à pressa e à bruta, sem possibilidade de planear e de gerir eficientemente essa transição. As condições que fomos forçados a aceitar pela Troika em 2011 poderiam ter sido suavizadas se não nos tivéssemos apresentado às instâncias internacionais praticamente falidos, e um falido não negoceia, não impões condições, como impôs a Irlanda na manutenção do IRC. Enquanto andamos a discutir se os nossos filhos devem ou não trazer trabalhos para casa - coitados! -, outros discutem qual o número de horas que os jovens devem dedicar à escola em casa, de forma a prepará-los para um futuro ultra competitivo. Enquanto entre nós se continua a aceitar quatro meses de férias para a quase totalidade dos estudantes - um calendário essencialmente agrícola completamente ultrapassado -, outros discutem já sua diminuição de forma rápida. Enquanto entre nós o universitário com mais matrículas é visto como um exemplo e admirado pela comunidade estudantil, noutra parte do mundo ele é ostracizado por brincar com o dinheiro dos contribuintes e por tirar uma vaga a alguém que a soubesse apresentar. Enquanto que noutros pontos do globo o ensino permite, e admite, que estudantes diferentes progridam a velocidades diferentes, entre nós esse conceito sofista tão caro à tradição moral republicana que é a Igualdade, obriga todos os estudantes a andarem à velocidade do mais lento. Enquanto que outros países perceberam já que é introduzindo concorrência no sistema - concorrência entre público e privado e entre escolas do próprio sector público -, no nosso canto à beira-mar plantado insiste-se na manutenção de uma estrutura monolítica que está a roubar, sem que ninguém se aperceba, o futuro do País. Enquanto que noutras paragens se não confunde direito ao ensino com ensino fornecido pelo próprio Estado através de escolas Estatais, entre nós continua-se a chamar todos os nomes e mais alguns àqueles que só querem colocar os filhos na escola que mais garantias lhe dê, sem pagar mais do que já paga para o sistema público que financia com os seus impostos: seria o cheque-ensino. Tudo isto tarda em ser discutido com rigor, com verdade, com lealdade. Tudo isto tarda em ser aplicado, não porque não se saiba que iria melhorar o ensino, mas porque se acha que iria ser difícil consegui-lo.

Mais: alguém percebe como pode um professor com 30 anos de serviço, um docente cuja experiência o torna um activo valiosíssimo para a escola e para a sociedade, ter um horário zero e, ao seu lado, tem um professor contratado? Alguém percebe o caótico e anárquico regime de colocação de professores, que frequentemente opõe professores do quadro a contratados e que causa níveis de fricção e desgaste na classe docente provavelmente evitáveis? Consegue alguém entender porque é que os próprios alunos do secundário, ao perceberem a extrema dificuldade que representa exercer a profissão de professor, se continuam a inscrever em massa nos cursos superiores habilitantes? Pode alguém perceber porque é que, havendo professores com horário zero ou parcial, não é criada uma bolsa de explicadores que evitasse que os alunos que têm menos recursos, bem como os demais, pudessem ter explicações na própria escola? Creio que todos sabemos a resposta, e importa que percebamos de uma vez por todas que urge agir ao invés de desviar o olhar.

Temos, portanto, dois caminhos à nossa frente: ou mantemos tudo como está e arriscamo-nos e ser varridos do mapa por quem seja mais instruído e competitivo que nós e, mais grave, insultados legitimamente pelos que hoje não estamos a preparar e a disciplinar convenientemente, os nossos filhos; ou então fazemos o que importa fazer, doa a quem doer e custe o que custar, sem calculismo e sem calendários eleitorais a toldar-nos o raciocínio.


É simples, tudo o que tem de se fazer é decidir. E arcar com as consequências.

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